terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Cinemas: a Cidade Cultura requer. Não é aceita recusa

Artigos são para emitir opinião. O resto é balão de ensaio.  Parece óbvio como sempre digo. Não é. Tem coisas que é preciso que sejam repetidas. O último artigo que escrevi, aqui neste espaço, surtiu muitas controvérsias e pessoas tentando pautá-lo. Pois é. Artigos são escritos exatamente para matutar sobre. E o contraditório é necessário e bem-vindo.

Vamos ao tema desse artigo.

Sou um defensor de cinemas de calçada. Acho um cinema de calçada poético, sensível e com tez própria. Cinemas de calçada ou de rua são aqueles que tu entras direto da calçada à sala. Então, uma cidade como Santa Maria merece ter um cinema de calçada. Assim como tem vários Cineclubes, faz jus ao seu romântico e fiel cinema de calçada.  E, da mesma forma, também sua população não pode ser privada de outras opções, como os cinemas de shopping, por exemplo.

O fechamento das salas da Movie Arte Cinemas no Santa Maria Shopping é uma perda irreparável para a cidade. Não interessa se um dia, um mês ou um ano. O raciocínio que faço aqui é bastante objetivo: como fica o espaço temporal onde uma comunidade fica sem a opção de ir ao cinema, sendo essa uma opção de um filme voltado ao entretenimento ou à reflexão?

Vou fazer um exercício prático e lógico. Vamos reduzir hipoteticamente a cidade a cinco quarteirões no entorno do Shopping citado. Essa população está privada de ir ao cinema. E quanto isso vale em termos psicológicos, históricos e culturais para esses cidadãos. Refiro-me ao “não poder optar”. No caso do fechamento das salas não há opção. Essas pessoas a que me ative estão sem alternativa. Não se trata da parte desse público que vai ou não; se trata que nenhuma parte desse público poderá ir. E isso não tem valor. São indivíduos ceifados da possibilidade de ir.

Por isso defendo que a administração do Santa Maria Shopping deveria ter feito todo o esforço para a manutenção desse espaço cultural. Tentar de todas as formas possíveis e imagináveis fazer com que os espaços ficassem lá.

O jogo dos grandes distribuidores é muito pesado. Vou resumir ao máximo como acontece o negócio. Os grandes distribuidores – usando um número hipotético – distribuem cem filmes de longa-metragem ao ano. Desses, dez, os chamados blockbusters, 99% americanos, vão sustentar a bilheteria dos outros noventa.  E esses grupos de distribuidores fortíssimos no mercado ofertam seus filmes a grandes grupos exibidores. E aí os menores, como no caso da Movie Arte, muitas vezes ficam a mercê desse escala devassadora. É bom lembrar sempre que a indústria do entretenimento (cinema e audiovisual juntos) é a segunda maior indústria americana, perdendo apenas para a do armamento.

Então, é nessa hora que o Santa Maria Shopping e a comunidade devem se unir exatamente para não deixar fechar mais essa opção. Pois com divulgação e trabalho conjuntos o cinema se torna viável.  Caso contrário temos um paradigma: o da perda da possibilidade de ir a um lugar que se deseja para ver um filme e refletir, sorrir, ambos, o que for. Perde-se. E, ao aniquilar isso, no espaço e no tempo fica como algo que não existe na rotina, no cotidiano, na opção.

A administração do Santa Maria Shopping tem que entender que a cultura é pulsante, é vibrante e é um bem intransferível, intransponível.  “Entendo” que uma empresa privada tenha como principal objetivo o lucro. Mas também sei de sua responsabilidade social para com a comunidade onde está inserida. E a cultura integra e é fundamental ao desenvolvimento dessa comunidade.

Espero que isso seja revertido. Que a Movie Arte Cinemas consiga novamente seu espaço em Santa Maria. A Cidade Cultura merece. Ou melhor: a Cidade Cultura requer!

Luiz Alberto Cassol
02 de dezembro de 2014

Janela sobre a memória

Um refúgio?
Uma barriga?
Um abrigo onde se esconder quando estiver se afogando na chuva, ou sendo quebrado pelo frio, ou sendo revirado pelo vento?
Temos um esplêndido passado pela frente?
Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um porto de partida.

(Trecho de "As Palavras Andantes" de Eduardo Galeano)